Naquela “turminha” havia um garotinho que pouco falava. A mãe dele dizia que não aprendia. Era o seu terceiro ano na escola. Ainda não lia e nem escrevia. Quando a professora se aproximava, o menino manifestava um grau elevado de ansiedade. Houve um dia em que saiu correndo da sala e entrou numa lavoura de café. Ana foi atrás e ao encontrá-lo, balançava o corpo, olhando fixo ao nada do horizonte.
Ana então pediu licença e se sentou, um pouco distante, repetindo os movimentos dele. Em seguida disse: “Esse movimento acalma”. O menino então sorriu. “Peguei uma varinha e escrevi meu nome no chão e ele copiou e o escreveu com seu dedo. Falei que meu nome era composto por duas vogais e uma consoante. Em seguida, ele escreveu seu nome. Naquele momento, a nossa comunicação se iniciou”, lembrou.
Ana era apenas uma adolescente. Não sabia sobre os motivos daquele comportamento. No entanto, sabia ser necessário encontrar um meio para se comunicar. No dia seguinte, ele começou a escrever num caderno que a professora havia encapado e feito desenhos nos cantos das folhas. Já, naquela época, ela entendia que todas as vezes que ele balançava o corpo, era necessário prestar atenção em sua fisionomia, se estava alegre ou apenas agitado por alguns motivos. Ali, Ana decidiu sua missão. Seu destino já estava traçado. Era hora de descobrir os porquês daquilo.
Hoje, aos 55 anos, Ana Floripes Berbert Gentilin, é uma referência quanto às soluções educativas ao autismo. Professora há mais de 37 anos, é graduada em História e Geografia. Se especializou em Pedagogia Escolar, Geografia, Meio Ambiente e Educação Especial Visão Integradora – Ensino Especial/Ensino Regular. Ela herdou características de quase toda a família - a maioria exerceu a profissão do Magistério.
A trajetória de Ana se iniciou, mais especificamente, no final dos anos 90, quando compôs a equipe pedagógica do Núcleo Regional de Educação de Cianorte. “Nesse momento descobri que haviam vários estudantes com comportamentos parecidos com o do meu inesquecível aluno”, disse. Mas com uma diferença. Eles estavam separados dos outros alunos. Só eram incluídos quando passavam a ser considerados “preparados”.
Segundo ela, naquele tempo, quando estavam “prontos”, tinham 12, 13, 14, 15 anos. As matrículas eram feitas e ingressavam nas turmas de estudantes com idades inferiores. Antes, muitos se sentiam constrangidos e com vergonha de estudarem separados da maioria, principalmente, porque as idades eram discrepantes. Eles eram sempre os maiores da turma. Enquanto isso, nas pastas individuais de cada um deles, nas secretarias, muitos laudos de comorbidades. Menos, em vários casos, os das verdadeiras causas: autismo.
Anos 2000. Com a evolução das políticas públicas, iniciou-se um grande movimento para incluir as crianças, sempre que possível, no mesmo espaço que as demais. Foi nesse cenário e com muitas capacitações que Ana enfim, descobriu que o seu aluno, aquele dos anos 80, estava no espectro autista.
Entre 2009 e 2011, Ana participou do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, na Universidade Estadual de Maringá. Mais adiante, foi nomeada representante do Ministério Público. Foram anos de muita luta na Justiça, de 2007 a 2016. Sempre, pela inclusão educacional.
Hoje, Ana faz parte da Comissão de Estudos da Causa do Autismo em Cianorte. A etapa da realização do censo para a elaboração de Políticas Públicas que atendam a realidade local e regional. Ou seja, o mapeamento da situação, para providências a curto, médio e longo prazo, está acontecendo.
E é assim que, nos últimos 37 anos, Ana tem se dedicado a uma intensa batalha para enfrentar as dificuldades cotidianas: lutar pelos direitos dos estudantes com relação aos atendimentos externos. Os resultados das ações realizadas pelo colégio em que trabalha foi reconhecido e premiado. Em 2013 o projeto “Identidade vs. Preconceito: inclusão de alunos com transtornos globais do Desenvolvimento – TGD”, foi classificado entre os 20 melhores no prêmio “Victor Civita – Educador nota 10”. Haviam 3 mil projetos inscritos.
Em 2016, o projeto “Identidade vs. Preconceito” classificou-se em primeiro lugar no prêmio nacional “Para Todos de Inclusão Escolar”. No ano de 2018, o projeto “Identidade vs. Preconceito: as relações interpessoais e o sucesso escolar”, classificou-se em primeiro lugar, etapa estadual, nível Ensino Médio, no prêmio” Professores do Brasil”. Em 2019 a professora Ana recebeu o Troféu Velho Guerreiro, do Rotary Cianorte Furquim de Castro, devido suas contribuições, ao longo desses mais de 30 anos de trabalho voltado à inclusão social e educacional.
Ana é casada e possui um filho. Veio de uma família simples, cujos pais tiveram três filhos. É a do meio. O mais velho possui problema na área de saúde mental e deficiência intelectual. Seu pai era professor e vereador e morreu em 1998, aos 59. A mãe, hoje com 74, é professora aposentada. Aos amigos, Ana é uma pessoa incrivelmente fascinante, com desejos em ajudar todo mundo. Do tipo que, sente a dor dos outros, humanos e bichos.
"Ela ama animais. Uma vez saímos de noite, nós duas ,pra ir até uma estrada rural achar uma cachorra e os filhotes abandonados. Não encontramos e voltamos. Então conseguimos mais informações e ela arrastou o marido pra ir com a gente. Acabamos por resgatar a mãe e um filhote, que hoje se chama Cacau e tem uns 6 anos", lembra a amiga Aida de Lima. Para ela, Ana é persistente. Defende um ponto de vista até o fim. Extremamente ética. Verdadeira. "Os alunos a amam, os amigos a amam. É a pessoa que representa a causa pela luta dos direitos de pessoas com TEA. É uma referência", disse.
Ana tem apreço a gatos, cães, orquídeas. Se dedica aos amigos, ao trabalho, à família, às causas sociais. É do tipo bombril, mil e uma utilidades. Sabe escutar, aconselhar. É divertida. Faz ginástica, dá aula, vai até a Câmara falar com vereadores. Ao paço municipal, com o prefeito. Ela está em toda parte.
Diante de tudo o que viveu e se propôs a combater, Ana diz que até hoje, jamais se esqueceu do seu primeiro estudante no espectro autista. Na década de 80, ninguém sabia identificar. Mesmo assim, a menina estagiária de 15 anos, o alfabetizou e conseguiu ajudá-lo, principalmente, quando entrava em crise. “Eu ainda me pergunto: Aonde e como ele estaria no momento? Só gostaria que soubesse que nunca desisti dele”.
O CASO HAYSLON
Há quase 30 dias, Hayslon Miguel Valinhos de Oliveira, um adolescente de 16 anos, está desaparecido. Ele tem indicativos de autismo, ainda sem laudo médico. Mora com a família em Cianorte. Ana o conheceu em julho deste ano. Na ocasião, ele teria pedido socorro. No mesmo dia, ela organizou uma força-tarefa na escola: agendar com urgência o atendimento na área da saúde. Escreveram relatório com conteúdo observado naquele momento e o encaminharam ao Capsi. “Eu fiquei comovida com o nível de sofrimento psíquico observado nele. Ele estava agitado. Ao percebermos o problema, com tranquilidade, falamos: vamos tentar descrever como se sente. Você responde sim ou não. Pode ser assim? ", disse.
Ele concordou e dizia: "É assim mesmo que me sinto, preciso de ajuda. Eu não consigo fazer algumas tarefas, sozinho. Quero morar no sítio. Lá o silêncio me faz bem", disse Ana. Na ocasião, o menino estava acompanhado de seu pai, um senhor trabalhador e presente na vida do filho. Ela já havia procurado a diretora e relatado a situação, naquela semana.
De acordo com Ana, ficou evidente alguns sinais do transtorno do espectro autista (TEA) e teriam que ser mais investigados. Naquele momento, seria sua primeira consulta para iniciar a observação minuciosa do caso. “Nesse sentido, temos que caminhar muito ainda para que as Unidades de Saúde e Escolares avancem nos atendimentos”, revelou.
“Sabemos que a identificação do transtorno nos primeiros anos de vida é essencial para o progresso das pessoas com TEA, bem como as intervenções terapêuticas. Na verdade, essa parte serve para todos os tipos de deficiência: quanto mais cedo a descoberta melhor a possibilidade de desenvolvimento e menor será o grau de sofrimento”, alertou.
SERVIÇO – Se você souber do paradeiro de Hayslon ligue para (44) 99919-6659/ 99818-4480/ ou 190 (polícia militar)
AUTISMO
"Nossa! A sua filha não tem cara de autista! Somente quem tem um filho com espectro autista já deve ter escutado o infeliz comentário. Um dos grandes desafios que pais e familiares de crianças com TEA - Transtorno de Espectro do Autismo -, é o chamado "Preconceito Reverso".
As crianças não trazem sinais na aparência, o que dá a impressão de não terem nenhum tipo de necessidade. Os transtornos muitas vezes são ocultos, gerando desconfiança nas pessoas que a cercam. Por vezes são julgadas como mimadas, mal educadas entre outros adjetivos pejorativos.
As mães muitas vezes já abandonadas pelos pais, que não aceitam o estado dos filhos, vão embora, e elas se veem sozinhas e, muitas vezes, sem nenhum tipo de orientação, ficando deprimidas, o que só piora o quadro de seus filhos.
Todas as pessoas que têm autismo apresentam sinais e sintomas em comum como por exemplo dificuldades de comunicação, comportamentos repetitivos interação e comportamento social. Mas, vale lembrar que os sinais e sintomas de autismo (TEA) vão afetar cada pessoa de maneira e intensidade diferentes.
Para Ana Floripes, os pais com filhos com TEA devem se unir, cada vez mais, para cobrar efetivamente o poder público, em níveis federal, estadual e municipal, o cumprimento de Políticas Públicas. No momento está tramitando na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei, número 169, de 2018, que torna, obrigatória à criação de Centros de Assistência Integral às pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e seus familiares, no Sistema Único de Saúde (SUS), recentemente aprovada pelo Senado Federal.
A educação inclusiva só se concretiza por meio do trabalho em rede. A escola não substitui o trabalho da área da saúde e, sem ela, não é possível pessoas com TEA terem qualidade de vida.
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